Imunologia

 

O SISTEMA IMUNOLÓGICO E SUA EVOLUÇÃO

A definição mais instantânea de sistema imunológico (SI) é aquela que o considera como sendo o sistema de defesa de um indivíduo contra agentes infecciosos causadores de doenças. Embora tal definição não esteja errada, rigorosamente, ela está incompleta; uma vez que, além de reconhecer e eliminar elementos estranhos, o SI também deve preservar componentes próprios.

É provável que a capacidade de distinção do SI entre o próprio e o não próprio seja resultado da pressão evolutiva exercida pelo não próprio. Afinal, há milhares de anos, todos os tipos de organismos são invadidos por patógenos, de forma que a seleção natural deve ter atuado e ainda deve atuar no sentido da conservação de características capazes de conferir proteção contra esses parasitas.

E, como proteger? Como responder aos patógenos, poupando células e tecidos próprios?

Na imunidade inata, a proteção é obtida pelo direcionamento da resposta imunológica a alvos que, geralmente, não são compartilhados com as células do organismo a ser protegido. Assim, por exemplo, fazendo uma analogia com algumas formas geométricas (Figura 1), e supondo que a forma quadrada represente os componentes do parasita e a forma triangular represente os componentes do hospedeiro; então, a sobreposição dessas formas evidencia os componentes peculiares ao parasita (vermelho) e que, portanto, seriam alvos adequados para o ataque pelo sistema imunológico do hospedeiro.

Figura 1. Representação esquemática dos alvos de ataque pelo sistema imunológico do hospedeiro, presumivelmente selecionados ao longo da evolução.

De fato, a maioria das moléculas reconhecidas pelos receptores da resposta imune inata são exclusivas de patógenos, os chamados Padrões Moleculares de Patógenos ou PAMPS. E, dentre esses receptores, existem representantes que são encontrados em espécies evolutivamente muito distantes, sugerindo que esse mecanismo de defesa seja muito conservado. Nesse respeito, os receptores Toll da "mosquinha das frutas" (Drosophila melanogaster) têm uma contrapartida em humanos, os Toll like receptors (TLR), que são responsáveis não menos que pela ativação da resposta imune inata a vírus, fungos e bactérias. Os TLRs não estão presentes somente em humanos, mas também em outros vertebrados, e em invertebrados como o ouriço do mar. Sendo que aqueles mamíferos possuem em torno de 10 TLRs, enquanto que neste equinodermo já foram identificados 222 genes TLRs.

Contudo, a forma de defesa mais primitiva que existe, e que em algumas espécies (plantas e insetos) corresponde ao produto da ativação do receptor Toll, são os peptídeos antimicrobianos. Estes são encontrados, possivelmente, em todos os organismos multicelulares, sendo que as defensinas presentes em plantas, insetos e mamíferos estão estruturalmente relacionadas (vide Figura 4 do artigo de Wang G., 2013). Na Drosophila, o reconhecimento das bactérias GRAM-negativas, feito por um receptor homólogo ao receptor TNF de mamíferos, resulta na produção dos peptídeos anti-microbianos: dipterina, atacina e cecropina. Cabe notar que a forma de secreção dos peptídeos antimicrobianos - direcionada ao parasita-alvo - deve garantir que os tecidos próprios sejam poupados de suas ações.

Os avanços nas técnicas de sequenciamento de DNA também permitiram a descoberta do sistema complemento como estratégia ancestral de defesa utilizada pelo SI. O sistema complemento, que ainda será descrito em detalhes, é um sistema que em vertebrados é constituído por proteínas plasmáticas, tais como os componentes C1, C2, C3, C4, C5 e C6. Nos invertebrados, especialmente em equinodermos, foram encontrados componentes homólogos aos que permitem a ativação da via alternativa do complemento. O C3 homólogo sendo produzido por celomócitos (fagócitos) do animal. O C3 e as proteínas homólogas a ele contêm compostos  tioéster que permitem a ligação da proteína à superfície do patógeno, o que, novamente, permite ação efetora orientada.

Na imunidade adaptativa, a geração de um repertório diversificado de receptores de antígenos, pela recombinação aleatória de genes, requer mecanismos de tolerância a autoantígenos que são diferentes daqueles usados pela imunidade inata. Porém, considerando que a imunidade adaptativa é antecedida pela imunidade inata, o reconhecimento de moléculas fortemente associadas a patógenos -  característica desta resposta - também funciona como uma prevenção de auto-reatividade pela imunidade adaptativa. Contudo, há ainda outros meios que a resposta imune adaptativa utiliza para não causar danos significativos aos tecidos do hospedeiro.Nos vertebrados esses meios complementares são conhecidos como mecanismos de tolerância central e mecanismos de tolerância periférica. Nos invertebrados não são conhecidos esses mecanismos e mesmo a existência de resposta imune adaptativa não é afirmada, porém,uma grande diversidade de genes de imunoglobulinas foi encontrado em Drosophila. Além disso, divergindo do que se acreditava antes, quando a existência de imunidade adaptativa era associada à presença da recombinase RAG, hoje, considerando a possibilidade de recombinação gênica através de outras moléculas, os agnatos (sem mandíbula) também são tidos como animais providos de imunidade adaptativa.

Os peixes cartilaginosos são os primeiros animais detentores de imunidade adaptativa tão organizada como a de mamíferos. De qualquer forma, muitos estudos ainda são necessários para ampliarmos nossa compreensão sobre o caminho evolutivo do SI.

Flavia Garcia, 12/02/2015

Bibliografia complementar:

1- Gary W. Litman , Jonathan P. Rast, and Sebastian D. Fugmann. The origins of vertebrate adaptive immunity. Nature, 2010 August ; 10(8): 543–553.

https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC2919748/pdf/nihms221936.pdf

 

2- Martin F. Flajnik and Masanori Kasahara. Origin and evolution of the adaptive immune system: genetic events and selective pressures. Nat Rev Genet. 2010 January ; 11(1): 47–59

Nat Rev Genet. 2010 January ; 11(1): 47–59.

 

3- Ellen Hsu, Nicolas Pulham, Lynn L. Rumfelt, and Martin F. Flajnik.The plasticity of immunoglobulin gene systems in evolution Immunol Rev. 2006 April ; 210: 8–26.

https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC2569000/pdf/nihms70571.pdf

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